segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Sarney atrasa pedido de acesso do CQC ao Senado; Cássio é a favor



Há quase dois anos impedido de entrar no Senado, o programa humorístico-jornalístico CQC, da TV Bandeirantes, vive uma situação que, não estivesse registrada nos anais da Casa legislativa, poderia ser confundida com uma das piadas da atração. Tudo começou meio que na brincadeira, quando a equipe resolveu fazer entre os próprios senadores um abaixo-assinado para por fim à proibição – seguranças têm recomendação expressa para manter a equipe do programa do lado de fora. Iniciada de maneira informal, a lista de senadores dispostos a ajudar o CQC virou matéria formal sob apreciação da Mesa Diretora e, como tal, teve interrompida a sua tramitação. O motivo: o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pediu vista do processo para examinar os temos do “requerimento”.

Sarney não esconde que é contra a atuação do CQC na sua proposta original – a sátira política, em que entrevistas com senadores, caracterizadas pelo humor escrachado, nem sempre são bem recebidas pelos entrevistados. Para o senador, pela quarta vez não consecutiva no comando do Senado, o CQC não faz um trabalho propriamente jornalístico e, por isso, não pode receber credencial permanente para entrar livremente, a qualquer instante, na Casa. Mesmo que alguns dos integrantes do programa tenham diploma de Jornalismo – a começar por Marcelo Tas, que comanda a trupe e tem longa carreira jornalística.

Mas o próprio regimento interno permite a atuação de produções como o CQC. O Ato da Mesa Diretora Nº 8 de 2010, que normatiza o processo de credenciamento, trata da possibilidade no capítulo “Da produção não jornalística”. O artigo 15 define três dias de antecedência para pedidos de credenciamento, que deve relatar “o conteúdo detalhado da produção e do pré-roteiro; a sua finalidade; a data e horário de sua realização; as dependências que serão utilizadas”, bem como a “cópia do RG, CPF, comprovante de residência e função dos profissionais que participarão da produção”. Formalidade que, em análise imediata, engessaria o formato do programa.

Mas, no artigo seguinte (16), o Senado avisa. “Verificado o descumprimento de um ou mais itens do artigo anterior, o primeiro-secretário poderá suspender a autorização da produção, até que se restabeleçam as condições originais do pedido”. Extra-oficialmente, a razão para o veto ao CQC foi o fato de que o credenciamento provisório concedido ao programa estava com prazo expirado, mas a equipe continuou fazendo uso dele. No entanto, os próprios integrantes do CQC lembram que, antes de o programa ganhar a visibilidade atual, bastava a identificação nos acessos à Casa, como qualquer cidadão, para adentrar as dependências.

“A Mesa [Diretora] pediu mais tempo para examinar o requerimento. Pelo regimento, só jornalistas podem ser [permanentemente] credenciados. Se for uma produtora, ela tem de fazer um trabalho específico com data e hora marcados”, explicou ao Congresso em Foco o diretor da Secretaria de Comunicação do Senado, Fernando César Mesquita, acrescentando que não há data definida para a deliberação, que pode ser retomada na próxima reunião do colegiado. Ainda segundo o diretor, estão em exame questões como o limite de credenciais por veículo de comunicação – no caso, a TV Bandeirantes – e a admissão do trabalho de profissionais do CQC como jornalístico, uma vez que o Senado não o considera como tal.

Metade mais um

Há alguns meses, diante da disposição do Senado em negar o acesso, o programa resolveu colher assinaturas de apoio entre os próprios senadores. Aos poucos, a ideia foi dando certo, com a devida exploração bem-humorada nas edições dos programas, até que atingiu 43 adesões – nos moldes do regimento interno, mais do que o mínimo suficiente (metade mais um do total de 81 senadores) para a aprovação de determinados projetos legislativos. O ex-senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), segundo na história a ser cassado na Casa, é um dos que assinam a lista. Antes da cassação, era presença constante no programa.

Mas nem o primeiro-secretário do Senado, Cícero Lucena (PSDB-PB), a quem cabe a autorização do credenciamento segundo “mérito, conveniência e oportunidade”, nem o quarto-secretário da Casa, Ciro Nogueira (PP-PI), encarregado do pedido do CQC na Mesa Diretora, estão entre os signatários do abaixo-assinado. Também recusaram assinar o “documento” nomes como o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (PMDB-RR), há até pouco tempo líder do governo no Senado, e, obviamente, José Sarney, três das principais lideranças da instituição – não por acaso, alvos constantes das entrevistas fortuitas antes corriqueiras no Salão Azul.

Muitas destas ocasiões evidenciam o desconforto de alguns senadores com a presença dos “homens de preto” do CQC. Em maio de 2005, o programa mostrou, com base em reportagem deste site, que oito dos 15 senadores do Conselho de Ética do Senado respondiam a processos no Supremo Tribunal Federal. Senadores com Roberto Requião (PMDB-PR), que também não assina a lista, e Renan Calheiros não gostaram nada abordagem do Custe o Que Custar – o nome do programa, menos conhecido do que a sigla.

A partir do oitavo minuto do vídeo abaixo, o tempo fechou entre Danilo Gentili, que ainda integrava a equipe do CQC, e Renan. E dentro do elevador privativo: “Nomear o senhor para o Conselho de Ética é como nomear o Fernandinho Beira-Mar para a Secretaria Anti-Drogas?”, indagou Danilo. Renan, potencial próximo presidente do Senado, emudeceu.

“É uma minoria que não quer o CQC no Senado. Mas é uma minoria que tem muito poder, como Sarney, Renan e mais um ou dois, no máximo”, disse à reportagem um produtor de conteúdo do CQC, resguardando sua identidade para evitar problemas com o Senado. Ele disse que o programa teria conseguido mais assinaturas não fosse o problema de acesso à Casa, que impediram a coleta pessoalmente. “Uns seis senadores recusaram assinar. Se tivéssemos mais tempo, conseguiríamos muito mais.”

A assessoria do senador Ciro Nogueira disse que ele não é contra o acesso do CQC ao Senado, mas ressaltou que, para que este seja autorizado, é preciso que a Mesa Diretora delibere sobre o assunto e aprove o requerimento – que, por se tratar de credenciamento para “produção não jornalística”, e ainda pelas características do caso, recebeu a tramitação especial na Mesa. Na condição de quarto-secretário, argumenta, ele não pode atropelar a atribuição de seus pares.

Enquanto isso, o Plenário do Senado, onde a questão pode desembocar, vez ou outra registra depoimentos públicos de apoio ao pleito do CQC – como a que foi feita em meio às cadeiras azuis do palco legislativo por Randolfe Rodrigues (Psol-AP), que disputou com Sarney, em 2011, a Presidência da Casa. “Estou de acordo com a manifestação do senador Randolfe Rodrigues”, aparteou Eduardo Suplicy (PT-SP). “Endosso a posição dos senadores”, arrematou Ana Amélia (PP-RS), que presidia a sessão plenária na ocasião.

Fonte: Congresso em Foco

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