quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Jornalismo como piada “séria”


Marcelo Tas fala sobre o fenômeno CQC. Noticiário satírico duplica audiência da Band e transforma homens de preto em celebridades.

Desde 17 de março do ano passado, toda segunda-feira, a partir das 22h15, a Band tem conseguido a proeza de atrair centenas de milhares de jovens brasileiros – cujo contato com o jornalismo normalmente se restringia a pílulas jogadas na internet – para acompanhar um “resumo semanal de notícias” pela estática e ultrapassada tevê. E sem piscar, de olhos grudados no aparelho, igualzinho seus pais costumavam fazer nos últimos capítulos da novela das oito.

A “culpa” é do antenado Mar­celo Tas, 49 anos, jornalista, apre­­sentador, blogueiro, tuiteiro e comandante do Custe o Que Custar, o CQC, noticiário satírico importado da Argentina que desde a estreia na emissora paulista vem causando uma pequena re­­volução na televisão brasileira. Tas, que ficou conhecido como o primeiro repórter “indigesto” do Brasil, Ernesto Varela, além do adorado Professor Tibúrcio, do Castelo Rá-Tim-Bum, é o homem certo no lugar certo.

Há um ano e meio no ar misturando humor com jornalismo, ele e sua trupe – os humoristas Rafinha Bastos e Marco Luque, com quem Marcelo Tas divide a bancada, e os impagáveis repórteres Danilo Gentili, Felipe Andreoli, Rafael Cortez e Oscar Filho, além da novata Mônica Iozzi, escolhida num concurso entre 28 mil inscritos – conseguiram que o programa fosse respeitado (e temido) por políticos e celebridades de diversos calibres, como o presidente Lula ou Pelé.

Mais: com seu humor corrosivo, um time afiadíssimo (incluindo jovens redatores pinçados na blogosfera) e uma edição primorosa, com direito a hilariantes intervenções gráficas, o programa caiu nas graças da galera plugada, que se encarregou de disseminar a mania pelas redes sociais virtuais, como o Orkut, o You­Tu­be e o Twitter, criando o efeito cas­­cata que hipnotizou muitos jovens Brasil afora, além de boa parte do público adulto.

Como efeito colateral, veio a idolatria aos “homens de preto” (que agora têm a companhia de uma mulher). Todos eles, in­­cluindo o careca e quase cinquentão Marcelo Tas, se tornaram símbolos sexuais e ídolos nacionais ungidos com o toque de Midas: a simples presença de um deles transforma qualquer evento num sucesso, com filas de fãs e ingressos disputados a ta­­pa. Os shows de stand-up co­­medy – que quase todos já fa­­ziam antes do programa – são espetáculos catárticos que entopem os maiores e mais suntuosos teatros do Brasil inteiro, quase sempre com sessões extras. Sem falar nos convites (em geral muito bem remunerados) para palestras, bate-papos e aparições diversas por todo o país.

É a evolução do jornalismo “gonzo”, anárquico, irreverente e libertário, iniciado 40 anos atrás por Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil e toda a turma do Pasquim – semanário carioca que usava o humor para infernizar a ditadura militar (e que, por tabela, despertou o interesse do jovem engenheiro Marcelo Tristão Athayde de Souza – ou TAS – para a comunicação e o jornalismo).

Hype à parte, o CQC se mostrou um excelente negócio: a atração mais do que dobrou a audiência da Band no horário (o último programa, exibido no dia 5 de outubro, registrou média de 5,7 pontos – o equivalente a quase 660 mil pessoas só em São Paulo), atraindo anunciantes de peso, como Pepsi, Skol e Duracell. Ou seja, hoje, o verdadeiro “horário nobre” da Bandeirantes é a faixa das 22 à 00h15 das segundas-feiras.

E isso tudo porque a emissora teve coragem: “O mérito é todo da Band e da [ex-] diretora artística Elizabetta Zenatti”, contou Marcelo Tas numa conversa com os jornalistas durante a 9.ª Feira de Gestão da FAE Business School. “Eu conheci os caras do CQC argentino num total acaso, na época em que eles estavam montando o programa lá (1995), num festival de televisão em que eu estava justamente mostrando o Varela. E eles estavam com um programa chamado La Tele Ataca, uma proposta muito ousada, com uma hora e meia ao vivo, que foi a sementinha do CQC.”

Tas disse que se identificou na hora, mas não acreditou que um programa desse tipo pudesse ser exibido no Brasil. “Trocamos fitas de vídeo, eu disse que tinha feito uma coisa parecida, mas achei que ninguém no Brasil teria coragem de pôr esse programa no ar. Até que apareceu uma emissora com essa coragem, a Band. Eles me chamaram em 2007, e em questão de uma se­­mana depois eu estava trabalhando.” Os outros homens de preto foram escolhidos entre os melhores profissionais do humor de improviso em São Paulo. “Alguns eu já conhecia, como o Marco Luque, por causa da Terça Insana, e o Felipe An­­dreoli. O Rafinha Bastros eu conhecia da internet e outros, como o Danilo Gentili, eu nunca tinha ouvido falar”, contou Tas. “Mas todos são muito bons.”

E qual o “segredo” do CQC? “O CQC é basicamente um programa de humor, que a gente usa para fazer jornalismo. É uma maneira levada de dar a notícia”, resume. “Mas, para dar certo, não pode ser um humor mais ou menos. Se o programa fizer um humor de gracinha, que ridicularize os outros, ele corre um sério risco.” Ele vai além: “Tem muito jornalista que quer fazer humor mas não é humorista, então ele faz uma gracinha. Eu acho péssimo, o caminho não é esse. No CQC nós temos humoristas muito profissionais, de alta voltagem. Acho que é esse o segredo do programa”.

Quando bem feito, defende Marcelo Tas, o humor pode ser um poderoso aliado do jornalismo. “A gente investiga denúncias, faz questionamentos e vai atrás da notícia usando o humor. E essa abordagem obriga o cara a se explicar. O humor é a prova dos nove: se um político não consegue lidar com isso, pode se complicar. Mas aquele que entende a linguagem terá um belo canal com o seu eleitor”, considera.

Fonte: Gazeta do Povo

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